Um alerta que já não podemos ignorar

Portugal é o 4º país mais envelhecido do mundo.
Temos praticamente duas pessoas idosas por cada jovem.
Duas. (Sim, duas!)
E, ainda assim, continuamos a comportar-nos como se este fosse um detalhe sem importância, como se a realidade nos pedisse silêncio quando, na verdade, nos está a pedir urgência.
Somos um país que produz teoria em abundância: relatórios, estratégias, planos, diagnósticos.
Mas de que vale tanta teoria se não chega à prática?
A verdade é esta:
as pessoas que sabem como resolver muitos dos problemas já estão no terreno. São cuidadores, gerontólogos, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, diretores técnicos, vizinhos atentos, voluntários e tantos outros.
Gente que sabe o que funciona, porque o vive todos os dias.
Mas esta boa gente está sufocada.
Por burocracia.
Por processos intermináveis.
Por regras desenhadas longe da realidade.
Por teorias que nunca tocam o chão.
Enquanto isso, temos pessoas idosas à espera de nada.
Sim, à espera de nada:
sem respostas, sem soluções, sem rumo.
Isto devia envergonhar-nos como sociedade, uma sociedade que, se não mudar, nos deixará, a nós, os próximos à espera de nada.
E tempo, é precisamente o que já quase não temos.
Se queremos alterar o panorama, precisamos de regressar à fórmula que sempre sustentou o progresso humano: colaboração.
Deixemos de umbigalismos. Só juntos conseguimos soluções reais, que coloquem as pessoas idosas no centro da atenção.
A dificuldade em ampliar a oferta institucional não é apenas um problema logístico.
É o sinal claro de que apostar exclusivamente em respostas tradicionais já não é suficiente, e talvez nunca tenha sido, salvo raras exceções que são exemplo e nos relembram que não podemos ficar estagnados no século passado.
"Institucionalizar é mais fácil", poderão dizer.
Mas será mesmo?
A verdade é que há pessoas idosas funcionais e autónomas que estão institucionalizadas, não porque precisavam… porque tornou-se cultural.
Mas e se tivessem tido outra hipótese?
Um plano que olhasse para a envolvente, para os recursos locais, para a comunidade?
Uma solução que não as desenraize, mantendo-as seguras e confortáveis em casa?
É exatamente isso que fazemos em Raízes Seguras: mobilizamos a comunidade, encontramos parceiros, envolvemos profissionais e família para construir um plano de vida onde a pessoa idosa continue a sentir-se viva, segura e integrada na sua própria comunidade.
Colaboração é o caminho.
É a única forma realista de avançar.
O que é que tudo isto tem a ver com as mais de 800 pessoas idosas internadas nos hospitais após alta?
Tudo.
Segundo a APAH, os internamentos sociais representam um custo anual que pode ultrapassar 288 milhões de euros!!!
Dinheiro que não é gasto para tratar pessoas, mas para sustentar a falta de respostas.
288 milhões que poderiam estar a criar soluções, não a pagar a ausência delas.
Imagine o que esse valor daria para fazer… se existisse um plano colaborativo, estruturado e ligado ao terreno.
Enquanto isso não acontece, o problema repete-se.
Multiplica-se.
Agrava-se.
Para nosso bem, o sistema precisa de ser revisto com quem está no terreno.
Se queremos um futuro diferente:
quem cuida deve ser ouvido,
a sociedade civil deve ser chamada,
as políticas devem ser escritas com quem vive o terreno,
e um plano conjunto deve substituir abordagens descoordenadas.
Só assim construiremos uma velhice mais segura, mais humana e mais risonha.
E até lá?
Há algo que cada pessoa pode fazer.
Enquanto lutamos por um sistema mais justo e realista, há um gesto que está nas mãos de cada um de nós: cuidar de si. Como?
Manter-se ativo.
Cultivar relações.
Proteger a saúde física e emocional.
Investir na autonomia enquanto ela existe.
Porque a verdade é simples:
quanto mais autónomo for, mais anos viverá com liberdade e dignidade.
E todos merecemos isso.
Autoria: Ana Rodrigues, Gerontóloga, Fundadora e CEO Raízes Seguras
